Procedimento ocorreu após quatro anos de espera e foi custeado por doações.

Após 4 anos, cirurgia corrigiu deformação na face de Luciene, em Santos, SP
"As
pessoas me chamavam de monstro, e meus amigos diziam que eu não conseguiria
fazer o tratamento. Hoje, eu sou uma nova mulher, mais feliz". O desabafo
é da atendente Luciene Anselmo de Faria, de 30 anos, ao completar um mês da
cirurgia que reconstruiu seu maxilar em Santos, no litoral de São Paulo.
Ela nasceu com uma malformação e deficiência
no crescimento da mandíbula, uma síndrome chamada pelos médicos de microssomia
hemifacial. Ao procurar ajuda, dentistas se mobilizaram para oferecer um tratamento gratuito.
Por causa da
aparência, ela conta que era ridicularizada na escola, e que nunca conseguiu
encontrar um emprego para poder se sustentar. "Eu decidi procurar um
médico quando minha então sogra falou para o meu ex-marido: 'Para que, meu
filho, tanta mulher bonita na rua e você arrumou justo ela, cheia de
defeito?’".
Luciene foi
atendida, inicialmente, em uma associação, que a encaminhou ao cirurgião
dentista Alessandro Silva, especializado em traumatologia buco-maxilo-facial.
Ele verificou a gravidade do caso e a impossibilidade da paciente arcar com os
custos. Com o ortodentista Marcelo Quintela, ele encontrou uma solução.
"Ela
entrou no meu consultório, pela primeira vez, chorando, mas vimos que era
possível fazer algo. Unimos profissionais e iniciamos o tratamento para
preparar a paciente para a cirurgia", conta Quintela. A partir de doações,
foi possível bancar um plano de saúde a ela, com custo mensal aproximado de R$
500.
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Todo o tratamento de Luciene foi gratuito, custeado por doações (Foto: José Claudio Pimentel) |
A atendente
precisou utilizar aparelho ortodôntico durante quase um ano e meio. "A
mandíbula era para trás, e ela não tinha queixo. A cirurgia foi para corrigir a
respiração, o selamento labial e a estética facial. E isso aconteceu",
explica Silva, que também teve ajuda do dentista americano David Poor.
Ao todo, 12
profissionais atuaram diretamente para a cirurgia acontecer. O procedimento
ocorreu, sem qualquer eventualidade, há um mês em um hospital de Santos, e durou aproximadamente 11 horas. Duas próteses de
titânio foram colocadas no lugar onde não havia ossos, para corrigir a
articulação da boca.
"Eu estava
tranquila, mas ansiosa ao mesmo tempo. Queria que acabasse logo, para eu ver
como ficou. Ao final, eu não acreditei no que vi", conta Luciene. Até quem
não falava com ela queria ver o resultado da cirurgia. "Perto de casa,
quando eu passava, as pessoas ficavam sem acreditar: 'Nossa, como mudou'".
Familiares
também ficaram surpresos quando a viram pela primeira vez após a cirurgia.
"Minha filha sempre foi minha parceira, sempre esteve comigo e cuida de
mim. Ela virou para mim e me disse como eu estava bonita. Nossa, foi especial.
A minha mãe também teve a mesma reação", conta.
Em um mês, a
vida dela mudou radicalmente. Conseguiu, pela primeira vez, um emprego como
atendente em uma empresa de telefonia, e se mudou para o Rio de Janeiro.
"Tudo é um começo, uma nova etapa. A gente fica meio assim de enfrentar,
mas tem que enfrentar. Eu estou segura e me sinto aceita", garantiu.
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Os dentistas Alessandro e Marcelo e a paciente Luciene, em Santos, SP (Foto: José Claudio Pimentel) |
'Monstro'
Luciene nasceu
em Peruíbe, com a síndrome e sem uma das orelhas. Ao crescer, foi vítima de
preconceito e bullying. "Era difícil, pois eu não era aceita pelas
pessoas. Uma vez, eu coloquei batom nos lábios e me disseram que era para
tirar, pois não era Halloween (Dia das Bruxas)", lembra.
Dentro de casa,
ela evitava fazer companhia às visitas e preferia ficar sempre no
quarto."Na escola dos meus filhos (ela tem dois, uma de nove e outro de
sete anos), os amigos deles perguntavam porque eu tinha a boca torta. Falavam
que a mãe deles não era assim e que era mais bonita que eu. Eles me
defendiam".
Após escutar o
comentário da sogra, ela decidiu procurar ajuda, mesmo sabendo que não tinha
condições para arcar com as despesas. Ao final de um evento em uma
universidade, encontrou um palestrante, o dentista Wagner Nascimento, que a
atendeu na associação. Foi quando tudo começou a mudar na vida dela.
Segundo os médicos,
se tivesse que pagar pela cirurgia, ela teria que desembolsar entre R$ 50 mil e
R$ 60 mil. "Eu não tinha dinheiro nem para os R$ 500 do plano, que poderia
ser uma solução". Por meio de doações ao Instituto Religar, após
campanhas, ela teve as despesas custeadas. "Agora, eu quero curtir, fazer
faculdade de Educação Física e viver uma nova vida".
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Luciene em 2014: ela não conseguiu emprego até fazer a cirurgia, há um mês (Foto: Mariane Rossi) |
Tratamento
Alessandro e
Marcelo se sensibilizaram com a história de Luciene e mobilizaram colegas.
Verificaram que, para o caso, havia a necessidade de reunir especialistas de
diversas áreas, para que pudessem ocorrer ao menos duas soluções: resultado
clínico e funcional, que propiciasse, também, seu retorno à vida social.
"Inicialmente,
tínhamos planejado fazer duas cirurgias. Mas verificamos que era possível fazer
tudo em uma só ocasião. Com tudo pronto, trouxemos o colega dos Estados Unidos.
Ele fez um lado e eu fiz o outro. Foi um sucesso", conta Alessandro. Ele
disse que se surpreendeu com o resultado "tão positivo".
Marcelo também
ficou contente. "A gente sempre soube que a Luciene é bonita. Nós tínhamos
comentado isso. Como ela tem os terços superior e médio (partes superiores da
face) bonitos, a gente restabelecendo o terço inferior, iria dar uma face
harmônica. Mas a gente não imaginava que ia ficar tão bom e funcional",
confessa.
Luciene terá
acompanhamento por, aproximadamente, mais um ano, inclusive com fonoaudiólogos.
"É uma nova musculatura, que ela tem que se adaptar", explica Silva.
Nesse período, ela retornará a Santos para consultas. "Mas vamos buscar no
Rio de Janeiro parceiros para cuidar dela lá também", diz Quintela.
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Ao menos 12 profissionais trabalharam diretamente no caso de Luciene |